Nao creio haver país onde se use com mais frequencia a palavra ‘democracia’ do que em Portugal! Quando os argumentos se esgotam na justificaçao de qualquer lei, mudança ou ocorrencia a palavra ‘democracia’ salta dos lábios de qualquer um e a ameaça de sem ela podermos cair em uma ‘ditadura’, seja ela de esquerda ou de direita – se é que estes dois parametros ainda fazem algum sentido para quem se dê ao trabalho de pensar fora das quadraturas partidárias…- surge como uma perda inefável mas assustadora.
Na verdade, por aquilo que temos vindo a constatar ao longo de décadas, poucos saberao ao certo qual o verdadeiro conteúdo do conceito. Para a grande maioria ‘democracia’ é nem mais nem menos que o oposto de ‘ditadura’, conceito associado a ‘fascismo’ ‘nazismo’ e, nas suas várias expressoes, o ‘comunismo’. No uso salvador da palavra ‘democracia’ todos comungam.
Acontece, porém, que na vida real e prática, quer social, quer política, a ideia que a inspirou vem cada vez mais estando em tudo arredada dos seus aspectos comportamentais, excepto na velhíssima luta pela ascençao social processada indiscriminadamente através de estratégias, truques e oportunismos e nao pelo real acesso a iguais oportunidades em que o mérito fosse o critério, ou pela sagrada oportunidade dada ao povo – em nome de quem tudo é feito – de podermos votar nos candidatos aconselhados pelos partidos que, após vários considerandos, livremente escolhemos de entre a panóplia apresentada, ainda quando os mais votados nao ultrapassem os 20% da populaçao votante, sendo que os outros 80% perdem seja por nao aderirem aos candidatos apresentados, seja por incomparencia, seja por enfado, seja porque protestam contra as ofertas anulando os votos.
O que se está a passar com o evento Web Summit – que, ao que consta, escolhe Portugal para o evento por ser o país que oferece melhores condiçoes ao melhor preço, e nao por nos considerar uma colmeia de génios informáticos ao nível de Silicon Valley – e com o afastamento de Marine Le Pen da lista dos convidados é, além de uma grosseira estupidez, um acto inadmissível, tanto mais inadmissivel quando semelhante atitude nao emana da organizaçao ou do governo do país de acolhimento mas de uma triste rapariga que ninguém conhece e que veio transmitir ao povo a indignaçao do BE , parceiro nao despiciendo na ‘geringonça’ para aprovaçao do OE.
Que o SOS Racismo – seja lá isso o que for – considere Marine Le Pen ‘racista’ por ser candidata da chamada extrema-direita francesa, é uma reaçao normal de uma organizaçao que se justica apenas por este tipo de defesa contra qualquer tipo de descriminaçao constatada ou suspeitada. Que um país que repetidamente confessa a sua inabalável adesao à democracia permita, e permitindo force a organizaçao a retirar um nome da lista de convidados, é qualquer coisa de escandaloso!
Num belíssimo artigo no jornal Público, Joao Miguel Tavares, expoe de tal forma a sua indignaçao, pondo o dedo na ferida onde germinam os critérios bacocos que orientam estes protestos, que me seria impossível faze-lo melhor!
Que aconteceria se em vez de Marine Le Pen o convidado fosse Evo Morales ou Nicolas Maduro? Bem, uma coisa era certa e sabida: cairia o Carmo e a Trindade se alguém do chamado ‘centrao’ – já que direita é algo que de facto nao existe em Portugal – se atrevesse a opor-se a que qualquer desses líderes pusesse os pés em solo luso para expor as suas ideias. Aliás o dito ‘centrao’ jamais se atreveria a tanto!
“Racismo” e “xenofobia” entraram no vocabulário europeu nao como atitudes negativas a serem recusadas mas como discursos de agressividade que se colam a tudo, desde os mais insignificantes e impensados gestos aos mais inflamados discursos em que sao chamadas à colaçao.
Se existe povo que tenha razoes históricas para se insurgir contra atitudes desumanas e humilhantes o povo Negro é incontestavelmente o que mais razoes tem. O ‘apartheid’ nao é um passado remoto e nos EU ainda existem franjas de racismo de cariz quase primitivo. Mas nao sao os ‘Trump’ e outros empresários que empregam nas suas empresas gente de todas as cores e raças, mas os que exigem uma supremacia ideológica inspirada nos tempos em que a escravatura era o motor da economia ocidental e ganham dividendos políticos assumindo-se seus protectores. Se há coisa que já desse para constatar é que os Negros americanos já atingiram uma maturidade cultural e política que dispensa protectores.
Curiosamente os países africanos, cujos antepassados tao indignamente foram tratados, adquirida a independencia começaram a tratar das suas vidas e parecem conviver melhor com os antigos opressores do que os que deixam os seus países de origem e buscam acolhimento nos países onde esperam encontrar melhores condiçoes de vida. Passar inadvertidamente à frente de um índividuo de ‘raça negra’ numa fila de supermercado ou sequer chocar com ele na entrada de um taxi pode ser qualquer coisa de tempestuoso e acabar mesmo merecendo a intervençao da autoridade Parece esquecido de todos que nós, os europeus, somos indivíduos de ‘raça branca’, o que, remotos complexos aparte, nos daria o direito de nos sentirmos aborrecidos sempre que alguém de outra raça que nao a nossa, ainda que sem se aperceber do facto, nos ultrapassasse. É óbvio que este tipo de reaçao nao é geral. A grande maioria das pessoas de outras raças com quem nos cruzamos sao tao ou mais civilizadas dos que os da nossa raça. Contudo, amparadas pela democracia. apareceram fora de tempo uma série de organizaçoes que, essas sim, pretendem dar-lhes proteçao, com meios de que de facto nao dispoem, conferindo-lhes um estatuto de indefesas minorias que na maioria dos casos nem sequer sao. Factos históricos que nada nos honram , mas em relaçao aos quais já nada podemos fazer, sao hasteados como bandeiras, alimentando diferenciaçoes que de há muito pareciam estar a desvanecer-se. A bandeira do anti-semitismo, hasteada internacionalmente e com inusitada frequencia pelos meios de comunicaçao social onde, tal como na alta finança, os judeus dominam, acabará por se tornar facto devido a essa constante chamada de atençao para algo que, nao podendo ser esquecidos os acontecimentos vividos no periodo hitleriano, seria aconselhável nao tomar como lembranças capazes de suscitar adversos ‘ideais’ nas geraçoes mais jovens tao carentes de objectivos.
A Palestina vs Israel é outro tema sensível que exige, para ser minimamente compreendido, conhecimentos históricos, dos mais remotos aos mais recentes, que muito poucos dominamos. As opinioes sao dadas ao sabor das supostas ideologias que dominam esse conflito e, como se fez moda durante o período da ‘guerra fria’, a questao é sempre vista como conflito entre uma esquerda fraca e piedosa e uma direita forte e impiedosa.
Nada disto tem que ver com Democracia!
O facto de o governo, cobardemente, nao ter sido capaz de explicar aos contestantes a incoerencia entre o sistema e tal tipo de proibiçoes – oportunidade perdida para explicar ao povo em que consiste a democracia diariamente apregoada – e silenciosamente entregar ao critério da organizaçao da WS a obediencia a tao desconexa exigencia, diz muito sobre a subserviencia do governo em relaçao aos apressados parceiros. Só que no Portugal de hoje tudo é possível, porque é notável que qualquer aragem pode derrubar o castelo de cartas em que se joga o destino do País.