Democracias

Nao creio haver país onde se use com mais frequencia a palavra ‘democracia’ do que em Portugal! Quando os argumentos se esgotam na justificaçao de qualquer lei, mudança ou ocorrencia a palavra ‘democracia’ salta dos lábios de qualquer um e a ameaça de sem ela podermos cair em uma ‘ditadura’, seja ela de esquerda ou de direita – se é que estes dois parametros ainda fazem algum sentido para quem se dê ao trabalho de pensar fora das quadraturas partidárias…-  surge como uma perda inefável mas assustadora.

Na verdade, por aquilo que temos vindo a constatar ao longo de décadas, poucos saberao ao certo qual o verdadeiro conteúdo do conceito. Para a grande maioria ‘democracia’ é nem mais nem menos que o oposto de ‘ditadura’, conceito associado a  ‘fascismo’ ‘nazismo’ e, nas suas várias expressoes, o ‘comunismo’. No uso salvador da palavra ‘democracia’ todos comungam.

Acontece, porém, que na vida real e prática, quer social, quer política, a ideia que a inspirou vem cada vez mais estando em tudo arredada dos seus aspectos comportamentais, excepto na velhíssima luta pela ascençao social processada indiscriminadamente através de estratégias, truques e oportunismos e nao pelo real acesso a iguais oportunidades em que o mérito fosse o critério, ou pela sagrada oportunidade dada ao povo – em nome de quem tudo é feito – de podermos votar nos candidatos aconselhados pelos partidos que, após vários considerandos, livremente escolhemos de entre a panóplia apresentada, ainda quando os mais votados nao ultrapassem os 20% da populaçao votante, sendo que os outros 80% perdem seja por nao aderirem aos candidatos apresentados, seja por incomparencia, seja por enfado, seja porque protestam contra as ofertas anulando os votos.

O que se está a passar com o evento Web Summit – que, ao que consta, escolhe Portugal para o evento por ser o país que oferece melhores condiçoes ao melhor preço, e nao por nos considerar uma colmeia de génios informáticos ao nível de Silicon Valley – e com o afastamento de Marine Le Pen da lista dos convidados é, além de uma grosseira estupidez, um acto inadmissível, tanto mais inadmissivel quando semelhante atitude nao emana da organizaçao ou  do governo do país de acolhimento mas de uma triste rapariga que ninguém conhece e que veio transmitir ao povo a indignaçao do BE , parceiro nao despiciendo na ‘geringonça’ para aprovaçao do OE.

 Que o SOS Racismo – seja lá isso o que for – considere Marine Le Pen ‘racista’ por ser candidata da chamada extrema-direita francesa, é uma reaçao normal de uma organizaçao que se justica apenas por este tipo de defesa contra qualquer tipo de descriminaçao constatada ou suspeitada. Que um país que repetidamente confessa a sua inabalável adesao à democracia permita, e permitindo force a organizaçao a retirar um nome da lista de convidados, é qualquer coisa de escandaloso!

Num belíssimo artigo no jornal Público, Joao Miguel Tavares, expoe de tal forma a sua indignaçao, pondo o dedo na ferida onde germinam os critérios bacocos que orientam estes protestos, que me seria impossível faze-lo melhor!

Que aconteceria se em vez de Marine Le Pen o convidado fosse Evo Morales ou Nicolas Maduro? Bem, uma coisa era certa e sabida: cairia o Carmo e a Trindade se alguém do chamado ‘centrao’ – já que direita é algo que de facto nao existe em Portugal – se atrevesse a opor-se a que qualquer desses líderes pusesse os pés em solo luso para expor as suas ideias. Aliás o dito ‘centrao’ jamais se atreveria a tanto!

“Racismo” e “xenofobia” entraram no vocabulário europeu nao como atitudes negativas a serem recusadas mas como discursos de agressividade que se colam a tudo, desde os mais insignificantes e impensados gestos aos mais inflamados discursos em que sao chamadas à colaçao.

Se existe povo que tenha razoes históricas para se insurgir contra atitudes desumanas e humilhantes o povo Negro é incontestavelmente o que mais razoes tem. O ‘apartheid’ nao é um passado remoto e nos EU ainda existem franjas de racismo de cariz quase primitivo. Mas nao sao os ‘Trump’ e outros empresários que empregam nas suas empresas gente de todas as cores e raças, mas os que exigem uma supremacia ideológica inspirada nos tempos em que a escravatura era o motor da economia ocidental e ganham dividendos políticos assumindo-se seus protectores. Se há coisa que já desse para constatar é que os Negros americanos já atingiram uma maturidade cultural e política que dispensa protectores.

 Curiosamente os países africanos, cujos antepassados tao indignamente foram tratados, adquirida a independencia começaram a tratar das suas vidas e parecem conviver melhor com os antigos opressores  do que os que deixam os seus países de origem e buscam acolhimento nos países onde esperam encontrar melhores condiçoes de vida. Passar inadvertidamente à frente de um índividuo de ‘raça negra’ numa fila de supermercado ou sequer chocar com ele na entrada de um taxi pode ser  qualquer coisa de tempestuoso e acabar mesmo merecendo a intervençao da autoridade Parece esquecido de todos que nós, os europeus, somos indivíduos de ‘raça branca’, o que, remotos complexos aparte, nos daria o direito de nos sentirmos aborrecidos sempre que alguém de outra raça que nao a nossa, ainda que sem se aperceber do facto, nos ultrapassasse. É óbvio que este tipo de reaçao nao é geral. A grande maioria das pessoas de outras raças com quem nos cruzamos sao tao ou mais civilizadas dos que os da nossa raça. Contudo, amparadas pela democracia. apareceram fora de tempo uma série de organizaçoes que, essas sim, pretendem dar-lhes proteçao, com meios de que de facto nao dispoem, conferindo-lhes um estatuto de indefesas minorias que na maioria dos casos nem sequer sao. Factos históricos que nada nos honram , mas em relaçao aos quais já nada podemos fazer, sao hasteados como bandeiras, alimentando diferenciaçoes que de há muito pareciam estar a desvanecer-se. A bandeira do anti-semitismo, hasteada internacionalmente e com inusitada frequencia pelos meios de comunicaçao social onde, tal como na alta finança, os judeus dominam, acabará por se tornar facto devido a essa constante chamada de atençao para algo que, nao podendo ser esquecidos os acontecimentos vividos no periodo hitleriano, seria aconselhável nao tomar como lembranças capazes de suscitar adversos ‘ideais’ nas geraçoes mais jovens tao carentes de objectivos.

A Palestina vs Israel é outro tema sensível que exige, para ser minimamente compreendido, conhecimentos históricos, dos mais remotos aos mais recentes, que muito poucos dominamos. As opinioes sao dadas ao sabor das supostas ideologias que dominam esse conflito e, como se fez moda durante o período da ‘guerra fria’, a questao é sempre vista como conflito entre uma esquerda fraca e piedosa e uma direita forte e impiedosa.

Nada disto tem que ver com Democracia!

O facto de o governo, cobardemente, nao ter sido capaz de explicar aos contestantes a incoerencia entre o sistema e tal tipo de proibiçoes – oportunidade perdida para explicar ao povo em que consiste a democracia diariamente apregoada – e silenciosamente entregar ao critério da organizaçao da WS a obediencia a tao desconexa exigencia, diz muito sobre a subserviencia do governo em relaçao aos apressados parceiros. Só que no  Portugal de hoje  tudo é possível, porque é notável que qualquer aragem pode derrubar o castelo de cartas em que se joga o destino do País.

SOS Europe

Que mais pode acontecer em Portugal? As instituiçoes nao funcionam porque as verbas foram cativadas para embelezar esta incrível governaçao e satisfazer os ‘caprichos’ que desde início era óbvio virem à superfície. Tratava-se de caprichos justos que só se podem qualificar de ‘caprichos’  pela falta de meios e pelas contradiçoes a que apelam .

A verdade é  outra.

Profissionais da Saúde, públicos e privados, mostram-se desmotivados e os doentes inseguros ou abandonados. Tudo em simultaneo com inumeras recomendaçoes verbais para a saúde do povo. Na Educaçao, que forma juventude, o bem maior de um povo, nem é bom falar. Nao fossem as bolsas europeias e americanas, que teem sempre relevantes contrapartidas, e a tal ‘geraçao mais bem preparada’ nao existiria. Digo-vos eu que lecionei terceiros e quartos em anos de faculdade e a maioria tinha péssima preparaçao ( grande parte deles estao hoje no Ensino…) . As ruas das cidades, tal como grande parte das estradas, exibem remendos e sao autenticos percursos acidentados, enquanto as verbas que as deveriam tornar seguras sao aplicadas em ‘embelezamentos’ bacocos feitos por adjudicaçao direta ao ‘primo’, ’tio’ ou ‘amigo’ Os Transportes, aparte o parque automóvel – um dos maiores e mais luxuosos da Europa apesar das queixas com o custo dos combustíveis… – é a miséria que sabemos. Os transportes  nao circulam nas cidades devido à afluencia de um transito privado incomportável, os horários sao alterados ad hoc, consoante as verbas disponíveis para o sector após os aumentos  e subsidios exigidos por sindicatos e partidos de esquerda de que o governo depende, as ferrovias morrem por falta de conservaçao e o mesmo nao tardará acontecer com as pontes. Muito mais haveria a dizer mas nao vale a pena, apesar de ser de estranhar que a UE e suas instituiçoes nao cuidem de saber se as verbas estao a ser aplicadas nos fins para que foram atribuídas ou se estao a ser cativadas ao sabor dos interesses do partido no governo, que nem sequer é maioritário.

O que aconteceu e está a acontecer com os fogos que enxameiam desaustinadamente um país onde nada foi feito para, dentro do possível, limitar os caprichos da Natureza, é DEGRADANTE e VERGONHOSO.

Degradante pela incúria dos serviços a que estes eventos estao entregues e, sobretudo, pelo desinteresse de um PM que vai de férias todas as vezes que há um caso destes e no regresso se dá ao luxo de tratar os ’subditos’ como idiotas, fazendo comparaç\oes infantis, usando a palavra ’sucesso’ descontextualizada e apenas usada para ficar na memória pavloviana dos que ainda o escutam. (Honra à anterior Ministra da Segurança Social, que tao maltratada foi nos fogos de Pedrogao e se tem mantido calada quando tanto terá para dizer). Desconcertante a atitude de Marcelo que. terminados os banhos lacustres de Pedrogao, resolveu remeter-se ao silencio, silencio que, diga-se, torna extremamente ruidosa a ausencia de Costa que se habituou a contar com ele para lhe atenuar as falhas. Pessoalmente considero que esta atitude de Marcelo foi a mais acertada de quantas tomou e, diga-se, aparte deslocaçoes e afectuosos abraços e selfies foram poucas e discutíveis. especialmente pela explicaçoes com que as justificou.

Vergonhoso o que está a acontecer com as  populaçoes dos meios rurais onde à ausencia de meios se junta a brutalidade das forças de segurança, ao que dizem GNR, a mandado governamental, como ficou bem explicito na comunicaçao de Costa que até citou a Constituiçao como reforço para justificar a coaçao das vítimas ao abandono das suas casas e haveres sempre que se pensasse que as suas vidas corriam perigo. A decisao sobre as prioridades das vítimas ficou assim nas maos das autoridades , sendo qualquer recusa considerada um desrespeito à autoridade que podia ser punido e mesmo permitir entrar em casa de alguém e algemá-lo para faze-lo sair. Isto tudo a bem das estatísticas porque de mortos é impossível negar o número.

Tal atitude é dificilmente conciliável com o empenho demonstrado na eutanásia que visa que cada um possa dispor livremente da sua própria vida. E, também aqui, o apelo à Constituiçao como forma de salvar vidas nao colhe ja que a mesma Constituçao permite que jovens sejam enviados para cenários de guerra no estrangeiro, arriscando a vida em defesa de interesses que nem sequer conhecem, ao abrigo de convénios internacionais.Que a vida é um bem primordial todos sabemos. Mas também o é no caso do aborto e da eutanásia.

O ano que vem nao promete melhorias. 2019 vai ser um ano muito difícil a todos os níveis. Os políticos – à semelhança dos presidentes dos clubs de footbal – apenas interessados no parco poder que exercem sobre uma populaçao cansada, amedrontada, e já de si indolente – sabem-no melhor do que ninguém. Costa, embora n\ao o confesse, tem todas as características de quem está de saída. Nao falará da ‘tanga’ nem do ‘pantano’ mas arranjará outro pretexto e já deve ter em vista um lugar semelhante ao que Guterres, Durao, Vitorino, Gaspar, Centeno e outros conseguiram através das entidades estrangeiras que os patrocinaram e a que convém ter um testa de ferro que de a cara pelos seus interesses. Marcelo decerto nao se recanditará porque tudo está a começar divergindo das suas expectativas. Restam os do costume, os que nao desarmam senao quando o túmulo os chama, e alguns por enquanto jovens que se iniciaram em todas as ‘jotinhas’ deste país e querem ver recompensada essa entrega. Ou seja, interessado no País e no seu Povo nao há ninguém!

É, como nunca, altura – para um povo que conhece de tradiçao o que foram os primeiros anos da República, o que ficou devendo ao Estado Novo sem que tal seja reconhecido mas antes contestado, ao corrupio que teem sido estes anos de democracia em que, a troco de umas décadas de ilusoes de bem-estar, foi permitido que gente que teve acesso aos cofres herdados e às fabulosas verbas vindas da Europa e usou tudo em proveito próprio com a habitual cantiga de que estavam a trabalhar para ‘o bem do povo’, em que a Economia foi destruida em favor da Finança ao ponto de caminharmos para uma situaçao em de nem termos como produzir o bem que comemos, em que existem casas numa proporçao de tres por habitante e igual proporçao dos que nao teem casa, em que a aposta estúpida no Turismo esqueceu uma série de factores que o homem nao domina, e mais uma inacabável narrativa de abusos, roubos, corrupçoes, oprtunismos – haver quem diga que este regime, que teve um século para mostrar o que vale, nao serve para este povo, que o humilha, se serve dele, o desprestigia e, nao fora umas tantas figuras que, aqui e ali, vao singrando profissionalmente , seriamos totalmente desconhecidos por mais que ainda houvesse gente com nome e fortuna que nos desse a honra de comprar cá um palácio igual a tantos outros que teem por esse mundo fora e onde vao de visita, ou alguma cantora em fim de carreira decidisse dedicar-se ao imobiliário e a troco fazer a conveniente publicidade – de pensar em mudar de regime e, simultaneamente, de um novo tipo de administraçao menos palavroso, burocrático e dispendioso e mais de acordo com as potencialidades tecnológicas que, gostemos ou nao, a mundo de hoje tem cada dia mais ao dispor de uma boa administraçao que contemple território, economia, cultura e, acima de tudo, a preparaçao de uma juventude saudável, que ame a pátria e o próximo e se disponha nao apenas a enriquecer mas a a  tornar um pouco ricos todos os seres à sua volta. E há milhares de formas de ser rico, a maioria das quais nao passam sequer pelo dinheiro

Por quem o mundo reza

“Só tarde na vida Duarte Luz se dera conta de que logo ao nascer a sociedade lhe atribuíra um lugar que na verdade não era dele. A morte logo ao nascer do que seria o mais velho da irmandade guindara-o não só à categoria de primogénito como lhe atribuíra a concretização como valor na bem sucedida promessa à Senhora de Fátima a quem a mãe o prometera como membro do clero caso além de nascer vivo fosse o iniciador de uma vasta prole. Como prova de gratidão fora a feliz mãe logo de seguida entregá-lo à Senhora de Fátima para que o recebesse como sua madrinha.

A nenhum, como aquele menino que viera pôr fim aos seus receios de após tão mau início não poder ter mais filhos, Isabel viria a dedicar tanto carinho e atenção.  No desejo de ser fiel à sua promessa puxara-o mais para junto de si, outorgando-lhe um lugar especial entre os irmãos, preparando desde a mais tenra infância para  a função a que o destinara, atribuindo-lhe a autoridade e respeito que considerava serem atributos essenciais de um membro do clero que se queria bem sucedido.

Aos quatro anos já o rapaz  começara a entrar no caminho que ela delineara para ele: explicava-lhe a liturgia, ensinava-lhe orações, levava-o em peregrinação consigo aos santuários, sentava-o ao seu lado na missa, orientava-lhe as brincadeiras, escolhia-lhe as leituras.

Isabel casara já perto dos vinte e cinco anos, quando a mãe já desesperava de lhe arranjar um casamento à altura. A família dela tivera considerável fortuna mas o seu meio social, ainda que muito tivessem trabalhado para isso, nunca ultrapassara o convívio de uma burguesia cuja antiguidade não se alargava  tanto como o desejável. 

Por fim lá encontraram um noivo para a jovem. Um oficial de marinha brasileiro – sem fortuna mas aparentado que bastasse com o que no Brasil ficara da nobreza que lá se instalara com a corte de D.Joao VI em fuga de uma Europa devastada pelas invasoes napoleónicas – com suficiente estatuto para que a futura descendência que da  uniao saísse não ficasse mal enquadrada entre as primas, casadas que já estavam as outras jovens da família e votada ao esquecimento a avó de toda aquela prole que tendo sido governante de um dos primeiros investidores estrangeiros no Estoril se deitara com ele as vezes suficientes para o encher de filhos e dar início uma afortunada família. 

O noivo encontrado para Isabel não era rico nem tinha uma figura que o tornasse cobiçável entre o sexo feminino, embora isso fosse compensado   pelo seu notável sentido de humor e por uma estudada atitude autoritária que frequentemente era interpretada como falta de cortesia, embora todos vissem nisso uma forma de impor a sua presença nos meios que frequentava e onde abundavam homens com maior proximidade nobiliárquica e prestígio profissional que ele.

Isabel passara pela faculdade mas mal se achara casada passara a dedicar-se plenamente à procriação de uma prole que fora crescendo no meio de um muito comentado desmazelo enquanto ela evangelizava piamente e, fiel à sua promessa, ia encaminhando o rapaz mais velho para o cumprimento da promessa que em boa hora fizera pois a partir de então só não engravidava durante os nove meses em que podia livremente viver a vida matrimonial.

Duarte, o desejado, nascera com alguns problemas que se foram começando a manifestar ao longo da infância mas que ela tudo fazia – e faria durante toda a vida – para que a sociedade não se desse conta deles. O rapaz era disléxico, problema que o corretor dos computadores haveria de resolver, sendo que a partir daí ele ganharia um feroz entusiasmo pela escrita de que até então fugira, ora por receio, ora por ‘modéstia’ . Ouvia mal – o que iria influir no modo pouco claro como pronunciava as palavras, via muito pouco de um dos olhos.  Pela grande admiração que nutria pelo pai e pelo desejo de agradar à mãe, retribuindo-lhe a especial atenção que ela lhe dedicava e a liberdade que lhe dava para se fazer obedecer pelos irmãos, tudo fez para ultrapassar as dificuldades com que a vida o marcara. Ao longo dos anos fora adquirindo uma vontade indomável de surgir perante os outros não como igual mas superior a eles, incitado pela frequente afirmação da mãe que lhe dizia ser ele diferente, sem contudo, ter tido o cuidado de lhe explicar em que consistia a ‘diferença’ e ainda menos de assumir que a superior inteligência do rapaz era patológica e coadjuvada por uma memória que aproveitava tudo o que ouvia e que pressentia poder vir a servir-lhe de alguma coisa sem que tivesse que fazer o trabalho de ‘sapa’. Havia sempre alguém que estudava e lia o que a preguiça dele e a ‘moinice’, consentida pela zelosa mãe para que ele se integrasse na ‘melhor’ sociedade masculina da época, lhe não deixavam tempo.

Cedo se habituou a, para além de captar o que das conversas dos outros lhe alimentasse a cultura sem ter que fazer grande esforço, recolher os contactos e dados de todas as pessoas que lhe passavam pela existência, ciente de que aquela poderia vir a ser, também sem grande esforço, a sua mina de ouro. Possuindo a humor do pai e encaminhado pela ansiedade social da mãe, que o queria um grande prelado, o rapaz, apesar da sua pouco brilhante  figura mas não tendo más feições foi conseguindo furar, devassando árvores genealógicas que o aparentassem com os parentes dos parentes dos parentes e, apesar do destino que a mãe lhe traçara, cheio de vida como era, ia fazendo o que podia com o sexo feminino disponível com uma habilidade que enganaria a mais desconfiada das mães.

Logo ali, como à nascença, representava duas vidas: a da vontade da mãe e a da indomável vontade que a natureza lhe impunha, especialmente desde que uma noite, ainda criança, acordara de noite com um ruído na sala e fora dar com os pais numa intima cena matrimonial. Fugira matreiramente mas algo começara a vibrar dentro dele que ia controlando cada vez com mais dificuldade apesar do seu imenso autodomínio. Assim foi que ainda na faculdade, mas já encaminhado para o seminário, acabara engravidando uma charmosa pequena cuja gravidez o fizera entrar em pânico e de imediato para o seminário, ainda com o curso por terminar, como desculpa para se livrar daquela indesejável paternidade que iria manchar-lhe a imagem aos olhos da mãe e, quem sabe, deixá-lo ao sabor de alguma vingança que lhe pusesse termo à boa vida que levava.

Nasceu, por essa altura, mais um talentoso canalha que passaria o resto da vida a acomodar-se na maciez almofadada do Bem para fazer toda a espécie de malandrices que a sua fértil imaginação lhe aconselhava. Era , além do mais, um notável ator, adaptável a toda e qualquer situação. O Diabo compensara-o em maldade do que Deus lhe dera em inteligência e vontade. E, como se veria, durante muitas décadas usaria o seu poder cativante para conquistar amizades verdadeiras ou falsas, criar ‘pontes’ em que os favores se entrelaçavam em simples telefonemas e, especialmente, imitar tão bem sentimentos que era incapaz de sentir que até ele próprio acreditava serem sentidos. Era, seria sempre, um fingidor profissional, vivendo no intimo da sua imaginação inconfessáveis sonhos  que o mundo real, a que a sua qualidade de sacerdote lhe dava acesso, alimentava de hipóteses, soluções, estratégias que a sua indomável vontade criava e um total desprezo pelos outros seres que era forçado a utilizar para os concretizar e que sempre seriam concretizados com sucesso.

Era um homem só, constantemente rodeado de afectos que lhe não pertenciam mas às imagens que de si dava aos ’seus’ e ao mundo, de acordo com as circunstâncias.

A própria mãe – a grande responsável por aquele ser fictício, que mascarava de humor as suas dores, que chorava sinceramente se achasse que o episódio que contava a si próprio merecia umas lágrimas, que abraçava com sincera amizade aqueles a quem sendo útil lhe poderiam ser úteis na consecução dos enredos que o conduziriam aos grandes factos que se propunha criar furando nas entrelinhas de tudo o que fosse passível de contrariar as suas motivações –  só conhecia dele o que ela própria queria conhecer, embora suspeitasse, numa quase certeza que a faria trazê-lo debaixo de olho até ele já ter ultrapassado havia muito a juventude, que naquela criatura difícil que alimentara a ilusão de domar  não havia nem assomo de verdade. Acompanhava-o às missas de onde saiam de mão dada para a casa materna onde ele habitava longe de outra imagem que não fosse a do pároco preocupado e zelador da moral da Igreja, incentivador da virgindade dos jovens até ao matrimónio, recuperador dos mais antigos ritos com que afirmava a sua fidelidade a uma Igreja que, diga-se, já não era – e ele bem o sabia – nada daquilo que fora a sua razão de ser. A Igreja degradava-se e ele, amarrado a ela pelo voto e pela alta consideração que nela tanto se empenhara em merecer e pelas benesses com que através dela conseguira dar ao nome um brilho que nem a educação – descurada pela mãe em favor dele – nem aquela mistura de fausto endinheirado com genealogia rebuscada, ambos já por demais divididos em múltiplas parentelas, nem a beleza ou talento comparável ao seu se fariam portadores de glória. Empenhara-se no casamento dos irmaos até onde lhe fora possível escolher entre o dinheiro e as sempre úteis teias de relações e alguns membros da nobreza seus aparentados por várias vias e travessas que conseguira cativar. Mas nunca ele – que tanto desejara dar essas alegrias às ambições da mãe como compensação do carinho assíduo com que ela o mimoseava e que tão útil lhe seria sempre em todas as circunstâncias – conseguira que a irmandade casasse à altura que ele, na sua fértil imaginação, atribuíra com tal zelo à sua família, que a sociedade aceitasse como verdade todo aquele real associativismo de que, através da sua herdada e oportuna integração no movimento monárquico, ele  cedo passara a ser pedra fundamental como ponte entre uma Igreja recheada de humildes seminaristas que se desejavam prelados socialmente bem integrados, e um grupo por ele alimentado de fantasiosos monárquicos que viam nos degraus do altar a mais fiável hipótese de ascensão a um menos que hipotético trono. Mas também isso, além de lhe conferir uma imagem de poder, não o comprometia. Era de ‘direita’ – às vezes…- mas não votava, dizia, e não estava ligado a qualquer partido, o que, sabia-o, seria a ruina dos golpes de trapézio que tinha em agenda.

Como seria este homem por dentro? Um infeliz corpo vazio que martirizava como se de um alter ego se tratasse que não lhe permitia libertar-se. Liberdade era algo que parecia estar destinado a jamais conhecer. Ele, que parecia mandar em todos e tudo dominar, procurava incessantemente um espelho de si próprio, alguém que o fizesse gostar de si na sua verdade sofrida de quem vive na sombra com o Sol ferindo-lhe a vista.”  Texto retirado de o livro A mao atrás do arbusto” de Nunes Martins, já  em publicaçao em uma editora brasileira. 

 

O CAOS TAMBÉM MATA

 

(escrito com ausencia de acentos por avaria do teclado)

O que se está a passar na Grécia, tal como aconteceu em Portugal há nao muito tempo, reflete certas características comuns a estes dois povos. É certo que ardem matas na California, na Suécia e em países de povos considerados organizados porque a Natureza sempre fez, através de multimilénios, as suas correçoes. O ‘mito’ da Atlantida, anterior ao buraco do ozono, talvez nao seja tao inverosímil como  possa parecer. Mudanças de temperatura surpreendentes, quer pelos espaços geográficos, quer pelas épocas do ano, ventos súbitos, vulcoes furiosos, terramotos, tsunamis, tudo tem decerto uma finalidade natural que ultrapassa as maldades e benfeitorias dos humanos. Todas estas coisas acontecem independentemente da má vontade do Trump em continuar a subsidiar as acçoes internacionais levadas a cabo por várias entidades cientificamente fundamentadas para a ‘salvaçao’ do planeta Terra.

Contudo, todos sabemos que cabe ao homem gerir o paraíso que lhe foi concedido e os recursos nele contidos. Num Estado de Direito, para além daquelas leis extremamente capciosas e flexíveis que estao na ordem do dia das investigaçoes, suspeitas e trafulhices ‘alegadamente’ várias que justificam aquelas multidoes sentadas em assembleias e parlamentos nacionais e estrangeiros que os contribuintes pagam, existem leis que sao normas de ajustamento  à vivencia dos espaços urbanos e, por maioria de razao, ao território pátrio que é todo nosso apesar de o que lhe está em cima ou está geometricamente atribuído a um cuidador/proprietário dar ideia de que muito nos é alheio. Quando sucedem tragédias como a que hoje se vive na Grécia, semelhante ao que por cá se passou, concluímos que a vida dos residentes, tal como a dos passantes, requer uma visao generalizada e que essa visao compete ao Governo a quem pagamos para administrar o dinheiro que lhe entregamos – e aquele com que ele nos endivida – e tomar zelosamente conta do que está fronteiras adentro.

Governos ideologicamente sobressaltados em guerras ideológicas, que teem como principal objectivo atingir o poder de governaçao sem qualquer projecto prévio para além de algum que contrarie o passado e lhes perpetue o presente, nao preveem o previsível e acabam miseravelmente arrastados pelos improvisos a que o imprevisível os obriga. Morrem pessoas, perdem-se bens e colheitas, investimentos turísticos – o ‘must’ desta sociedade nómada a que as tribos nómadas mais ou menos abastadas insistem a nos habituar – e o mundo observa pesaroso e revoltado, distribuindo culpas, o que acontece hoje e acontecerá amanha se continuarmos a depositar a nossa sorte nas maos de gente irresponsável e palavrosa. Nada justifica que num tempo em que a Ciencia se debruça ao pormenor sobre as condiçoes do universo estas coisas continuem a acontecer. Acontecem porque ‘eles’ n\ao querem saber de nós e tratam-nos como súbditos, vivendo em república sem cuidar da coisa pública.

Sustentamos Estados caríssimos e  sobre-dimensionados para os avanços tecnológicos de que o mundo hoje dispoe. Sao desnecessárias tantas viagens, tantos encontros ao vivo, tanta papelada, tanta gente embasbacada nos diversos hemiciclos aguardando uma deixa. O que qualquer país precisa é única e exclusivamente de uma boa administraçao que em vez de um programa ideologicamente pré concebido se concentre nos problemas que tem para resolver e nos meios para o fazer.

Aparte isso, para além da bandeira, do hino, da consolidaçao territorial, há que apresentar à juventude, onde reside o futuro de qualquer país, em vez de ideologias um IDEAL para que viver e uma figura que represente dignamente o País, que tenha a consciencia de que nele está todo um Povo a ser avaliado.

As sucessoes presidenciais de todas as espécies e variedades nao podem. de modo algum, ser representativas porque ocasionais. Tal nao acontece nas monarquias. O rei representa porque em sangue  cresceu com a Pátria. E o Sangue é, juntamente com a Língua e o Território, um dos tres constituintes de um Povo.

É certo que, apesar da juventude da maior parte das republicas – a nossa é pouco mais que centenária – os republicanos nao se atrevem a por sequer a hipótese de referendar a opçao pela monarquia. O único processo de o fazer seria a inutilizaçao do voto através da inscriçao da palavra ‘rei’. Pelos votos inutilizados ficar-se-ia com uma ideia da preferencia dos eleitores. E continuaríamos a votar e a ter partidos como nas outras monarquias. Mas, mesmo sem beijos ou abraços, um rei é afecto ao Povo.

ANACRONISMOS

Nunca como hoje a ‘Felicidade’ terá constituído preocupaçao  inscrita na mente humana como um objectivo a atingir. As definiçoes de felicidade sao múltiplas, quer no ambito filosófico, quer no  religioso, quer no conceito pessoal criado ad hoc seja para defesa da imagem que mostramos ao mundo, seja para justificaçao das nossas escolhas e sua apresentaçao como as recomendadas na persecussao desse estado ideal ambicionado por todos os seres humanos. Nao exibir a sua felicidade ou a luta para conquistar é sinal de derrota perante um mundo que lamenta os vencidos mas nao os preza. E, curiosamente, quanto mais infelizes somos – os que o sao, porque o estado natural do homem é de harmonia, interrompida esta por factos pessoais ou desajustamentos sociais – mais necessidade parecemos ter de nao só mostrar sinais exteriores de felicidade como de aconselhar aos outros um qualquer caminho para atingir esse objectivo primordial para que teremos sido criados e que nos caberá alcançar por todos os meios ao nosso alcance. A verdade, porém, é que nascemos para a felicidade e aprendemos a reconhecer a falta dela. No homem normal – se tal existe – a felicidade é uma constante quebrada por factos adversos  e recuperada constantemente por sua natureza, mesmo quando tais factos se repetem e forçam esse retomar do estado harmónico da vida, já que a harmonia é condiçao de bem-estar.

A obsessao de felicidade resulta da incapacidade que o mundo de hoje tem para a manter como estado de espírito subjacente a todas as adversidades, confusoes e incompreensoes que confrontam sem tréguas, pronto a emergir para radicar de novo nela os homens. A Felicidade é Vida e nao se confunde com Alegria, estado pontual tantas vezes nao genuíno, alcançável por diversos meios e que, se inconsequente, frequentemente conduz a estados de ‘ressaca’ com os quais a Felicidade  dificilmente convive .

A única maneira de manter desperto o nosso potencial de felicidade seria, no  mundo de hoje – um mundo em permanentes e inalcansáveis mudanças estruturais que somos incapazes de acompanhar porque emanam  de uma outra lógica que ultrapassa a nossa capacidade de compreensao – seria prescindir dele, recuarmos até aos limites da nossa própria compreensao e quedarmos-nos a contemplar os progressos do mundo sem nos comprometermos com ele. Tal porém nao é possível porque, quais borboletas tontas, vivemos envoltos  em uma rede que nos obriga e que, sem nos prender, nos tolhe o pensamento e direciona todas as  decisoes em sentidos pré-estabelecidos, mesmo quando tudo parece fruto de opçoes nossas, do acaso ou do destino. Vivemos num mundo de negaçao que busca, desnorteado, o ‘que’ e o ‘como’ que lhe permita afirmar-se. Já nao nos cabe a classificaçao de pós-modernos porque estamos a atingir o ponto de sermos pós-tudo o que persistimos que seja, mesmo quando o rejeitamos, mas que na verdade já nao existe. O cocktail de conceitos, crenças, ideias, instituiçoes, princípios, valores, modos de fazer e de ser que nortearam durante séculos as sociedades está, ainda que a ritmos diferentes, se nao já esgotado, a esgotar-se.

A transferencia de poder da inteligência humana para a inteligencia artificial teve o condao de criar anacronismos impossíveis de acertar em todas as áreas das nossas vidas.  Vivemos a contemporaniedade com a má consciencia do ‘antigamente’ de que os mais velhos nao conseguem libertar-se e para que os mais jovens carecem de fundamentos que lhes permitam questionarem-se.

A verdade é que a maior parte dos modos de fazer e de estar sao obsoletos perante as consagradas potencialidades da Ciencia e da Técnica e perante a necessidade de inverter a relaçao do homem com o transcendente.

A Política, seja qual for a ideologia que a oriente, é o mais evidente caso desta discrepancia. Nada justifica hoje a sempre crescente multidao de trabalhadores da Política que enchem as bancadas de Assembleias e Parlamentos nacionais e europeus e as múltiplas comissoes de inquérito encarregadas de questionar as trafulhices que escapam ao olho tecnológico ou dele se servem como desculpa. Sem poder ser inquirido na sua qualidade de executor artificial os erros que escapam à sua acçao acabam remetidos para orgaos também eles incompetentes de os avaliarem devido à dispersao dos dados inseridos com a finalidade de se concentrarem mas que se pedem na morosidade da ausencia de know how requerida. Em simultaneo, tudo isto continua a ser acompanhado por toneladas de papel que a resistente burocracia exige e os cidadaos pagam religiosamente, sem contestaçao possível porque a máquina nunca é suposto enganar-se a menos que surja um súbito e oportuno apagao que a neutralize, circunstancia que jamais poderá criar culpados.

A verdade é que todos esses populosos areopagos carecem de justificaçao. A enfadonha e enfadada presença dos poliíticos e as suas frequentes e dispendiosas deslocaçoes, pagas com o erário público, seriam facilmente substituiveis por contactos em rede o que libertaria consideráveis somas para a prestaçao de efectivos serviços de enorme relevancia  em sectores como a Educaç\ao, sector em que, estranhamente,  a aprendizagem surge também ela desfazada da sua aplicaçao por excesso de oferta, ou seja, porque a formaçao se tornou estatisticamente mais relevante do que a sua utilizaçao.

É óbvio que a resoluçao destes anacronismos é de impossível  concretizaçao. Os volumes materiais e humanos em jogo nao podem ser drasticamente reduzidos porque isso implicaria nao só uma total transformaçao que as sociedades nao estao aptas a compreender e custos que o mercado do dinheiro, o único produto que o tipo de sociedade em que caímos produz com relativo sucesso, nao está em condiçoes de assumir para a criaçao da prometida ’sociedade do lazer’ que ninguém sabe ao certo como funcionaria mas na qual, é de crer, caberia aos estados a produçao e distribuiçao de bens considerados essenciais, bem como a distribuiçao pelos cidadaos necessitados dos meios para os adquirir.

Tudo parece encaminhar-se para isso. As condiçoes do planeta Terra e sua envolvencia e as preocupaçoes geradas com os gastos na Saúde resultantes do consumo de produtos nocivos devido aos excessos de lixo que contaminam terras e mares e ao uso exagerado de produtos tóxicos quer para incrementar a produçao, quer para eliminar espécies destruidoras cada vez mais resistentes, requerem cada vez mais o recurso a viveiros e estufas e a reduçao de hábitos alimentares baseados em animais de grande porte criados livremente. As próprias condiçoes de armazenamento e os percursos cada vez mais alargados entre a produçao e o consumo estao a ditar aos poucos as orientaçoes alimentares sustentáveis. E o mesmo se passa com os medicamentos: espaços onde se produziam bens alimentares estao agora a ser convertidos para a produçao de componentes farmacológicas. O preço do açucar sobe em bolsa, a utilizaçao do sal em alta cozinha e confeitaria  fomenta a sua exportaçao.

Por outro lado, cada vez se torna mais dificil discernir qual o futuro desta juventude considerada ‘a mais bem preparada de sempre’ pelos critérios afectos à governaçao. O Ensino surge desligado da Aprendizagem ainda quando seja de supor que poucos serao os docentes com um nível de actualizaç\ao à altura das exigencias  salariais propostas pelos sindicatos, propostas em que os interesses dos alunos nao sao sequer tidos em conta e que afectam essencialmente os filhos das camadas sociais menos abastadas que terao maior dificuldade em entrar no mercado de trabalho em competiçao com os do Ensino Privado. Pelo meio, enquanto lhes nao sao facultados sucessivos e breves ‘cursos de formaçao’ ou aguardam alguma bolsa concedida por entidade nacional ou estrtangeira, sao-lhes facultadas todas as ‘palas’ e palcos do País onde a baixo preço poderao exercitar os seus dotes frente a uma multidao de outros jovens para quem só o presente é oferecido como galardao e que, intoxicados em drogas e alcool, se bamboleiam alegremente como se estivessem a assistir à criaçao de um mundo acolhedor. Como vínculos de pertença, numa sociedade em que a maioria das famílias se empenham na sua própria promoç\ao social ou apenas na manutençao de um nivel adequado de sobrevivencia, abrem-se-lhes as portas dos partidos politicos e dos clubes de futebol, ambas as filiaçoes religiosamente vividas para o bem ou para o mal.

As religioes tornaram-se também elas próprias anacrónicas. Di-lo Aga Khan ao afirmar-se como líder de uma religiao que pensa e que se pode dar ao luxo de o fazer. Uma forte presença do Islao rico e generoso quando a Europa se prepara para cerrar as fronteiras aos que para os governantes de alguns países constituem um atentado à ordem civilizacional do ocidente cristao. A presença do líder será benéfica, pelo menos para a comunidade ismaelita,

Também os hábitos e valores veiculados pelas express\oes religiosas sofrem de anacronismo. O medo de pecar, a puniçao social e a vergonha fomentavam nos prevaricadores o constante recurso à mentira até a terem já como compulsiva. Daí ao cada vez mais constante ingresso em religioes nao convencionais vividas em espaços comunitários, reais ou virtuais,  em que, embora embuidos de profunda fé, os procedimentos exteriores dos fiéis se assemelham aqueles que vemos nos espectaculos em que uma juventude se liberta exuberantemente de todos os constrangimentos. A família é hoje, excluindo honrosos casos, uma comunidade dificil de definir se monogamica, poligamica, se poliandrica. As crianças nascem independentemente da progenitude e de qualquer projecto educacional porque o presente é permissivo e o futuro imprevisivel. Fala- se de amor como talvez nem na época dos grandes romanticos. Mas tudo é efémero e mais cimentado nas palavras do que nos sentimentos. Há uma inconsciencia total porque a consciencia é vista como um atentado à felicidade do momento. Suspeita-se que o caminho n\ao tenha saída mas pelo meio aparece sempre quem conheça as palavras que nos recolocam no presente, o único lugar no tempo que este desfazamento entre o real vivido e o real publicitado conhece.

O mundo já mudou muitas vezes nas suas várias idades. Mas o Homem continuava a ser a medida de todas as coisas fosse qual fosse o papel que lhe cabia. Esse aspecto da sua hmanidade encontra-se hoje desvalorizado perante a frieza de um agir focado em estratégias e objectivos em que as pessoas pouco mais sao do que peças de um puzzle de que nao existe sequer uma imagem condutora. Vale tudo porque nada a nao ser o dinheiro, primeiro elo de globalizaçao, importa.

Bom mesmo é sabermos que, apesar de tudo, podemos viver o nosso próprio tempo, far from the madding crowd, que podemos barafustar no interior do nosso espaço, podemos construir um mundo sem tempo e sem senhores dos nossos dias. Um mundo que só a Deus devotamos e onde ser cristao tem um significado tao simples como a propria vida.

 

 

 

 

Portugal, nação valente e imortal

Não há português que não conheça esta frase e não a tenha cantado mil vezes em diversas ocasiões. Se lhe atribui ou não o significado é outra coisa. Pode até chorar ao ouvir o hino em terra estrangeira mas receio que seja já uma espécie de reflexo condicionado quando se lembra a Pátria à distância. Os ‘nacionalismos’ são mal vistos em tempo de globalização, a ‘valentia’ dos povos reside agora na sobrevivência a instáveis quotidianos, a ‘imortalidade’ não existe à revelia da História que é, acima de tudo, passado inspirador.

É certo que, pelo menos aparentemente, não somos ainda um estado federados de uma Europa de destino incerto. O território tem fronteiras, facilmente transponiveis é certo, mas delineadas e, embora à mercê de vários apetites externos, temos uma zona económica marítima tão exclusiva quanto possível. Também a Língua em que comunicamos é frequentemente o português, embora o mundo tecnológico em que nos envolvem tenha criado anglo/americanismos  que parecem impossíveis de traduzir. O’know how’ exige ‘expertise’ e memorização de ‘passwords’ para transitar na ‘web’. Tudo isso, aliás, nos foi impingido nas bulas que acompanham os galopantes avanços tecnológicos com que  Silycon Valey vem civilizando o mundo e que já vão trazendo à mistura uma série de contra-indicações. Tarde demais!

O momento que se vive em Portugal é desconcertante. As figuras institucionais falam de um país maravilhoso – o segundo ou terceiro melhor do mundo, temos prémios artísticos e desportivos, recebemos e concedemos condecorações, acolhemos reuniões dos poderes deste mundo na nossa prestigiada gama de cadeias hoteleiras internacionais, o Turismo invade cidades, vilas e aldeias, os chineses compram imobiliário  para vender aos turcos através de pomposos anúncios no suplemento do FT week-end, etc.. Tudo, como diria Pangloss, parece correr pelo melhor no melhor dos mundos possíveis. Enquanto isso os jornais – ver os noticiários dos vários canais da TV é perda de tempo – trazem ao nosso conhecimento uma série de questões essenciais que os gestores da coisa pública não sabem ou não podem resolver. O mais importante é, sem sombra de dúvida, o que se passa nos sectores da EDUCAÇÃO e da SAÚDE.

É incrível o desinteresse com que é visto o sector da EDUCAÇÃO, a negligência com que se aceita a primazia do bem-estar dos professores em relação aos muitos milhares de alunos frequentadores do Ensino público! Jovens filhos das classes trabalhadoras veem-se abandonados a greves que os empurram para o convívio de rua , as ausências continuadas de professores, que terão decerto motivos que se sobrepõem ao interesse dos alunos mas que os privam do cumprimento dos programas; duvidosos curriculos constantemente alterados sem qualquer critério fundamentado; querelas à volta da existência ou modo das classificações;  possibilidade de sonegação das classificações como forma de pressão sobre irrealistas promessas feitas com objectivos eleitorais.

É sabido e aceite que os professores, tal como a maior parte do funcionalismo público, e não só, se sentem injustiçados perante tantos casos de fraudes e corrupção que contaminam a Justiça, tornando-a morosa e inoperante, e vendo verbas que deveriam ser aplicadas em melhores salários, formação de professores e logística escolar resvalarem para os bolsos de nomes que entram e saem da ribalta dos escândalos até à prescrição dos ‘alegadamente’ abusos.

Contudo, se há área em que as razões acima mencionadas não devam interferir é no comportamento dos professores, guardiões que são do futuro das jovens gerações, jovens que todos os dias vemos aumentar desinteressados de profissões de circunstância a que são chamados para diminuir o índice de desemprego ou saírem da onda de ‘beneficiados’ com subsidio de desemprego.  Jovens que, nas melhores das hipóteses,  por aí andam nos balcões dos centros comerciais – onde é frequente o contingente de empregados ser desmesuradamente superior à cada vez mais reduzida clientela – nos call-centers, ao volante de táxis ou motas da Uber, agarrados a bandejas e esfregonas, metidos nas cozinhas a preparar fast-food, todos eles com míseros salários que acabam gastando num qualquer espectáculo numa qualquer ‘arena’ onde, com um bocado de sorte, terão oportunidade de ouvir as principais figuras institucionais do país cantarem sacudindo-se o reciclado hino da “alegre casinha” em homenagem a cantadores desaparecidos ou laureados que, a seu tempo, tiveram a sorte de terem tido como fãs os gerontes que actualmente gerem a coisa pública.

É óbvio que a grande maioria dos professores são pais. Ouvimos-los queixarem-se de falta de tempo para estarem com a família. Daí podermos concluir que também os filhos deles estão a ser abrangidos por todas estes desmandos. Pensarão, provavelmente, serem mais importantes os aumentos propostos e aguerridamente impostos pelos sindicatos do que a preparação adequada dos filhos, preparação que lhes permita ao chegarem à vida activa ombrearem com os jovens saídos do ensino privado onde essas coisas não podem acontecer ou são minoradas e que, se for preciso, são mandados estudar para um qualquer estabelecimento estrangeiro onde se familiarizam com as mais recentes tecnologias e de onde chegam aptos a ocupar lugares avaliados em termos internacionais. Se pensam assim pensam mal ou são manipulados pelo medo de, fazendo valer as suas razões, criarem mau ambiente profissional.

A vulnerabilidade dos professores – gente instruída e conhecedora do meio em que se formaram – é algo que sempre me surpreendeu. Que os trabalhadores de uma qualquer indústria sejam facilmente convocados para reivindicações laborais, seja por justa razão ou por actividade sindical ou partidária, é algo que há muito não surpreende ninguém. O operariado teve sempre, e é bom que tenha, quem defenda, com conhecimento alargado, a sua posição num contexto internacional que não domina e no qual pode, relativamente, sentir-se explorado. Contudo, na EDUCAÇÃO é do futuro dos filhos deles que se trata, bem como do futuro equilibrado do país.

Da SAUDE nem é bom falar. O Turismo, a tal grande industria que não produz nada para além de dinheiro e que vive daquilo com que o Bom Deus nos beneficiou – o sol, uma esplêndida costa Atlântica e um povo resignado e sereno – despeja nos hospitais uma quantidade de doentes que estão de passagem, alguns trazendo consigo doenças venéreas ou sendo vitimas do resultado de excessos. Os hospitais não estavam nem estão quantitativamente e saudavelmente preparados para tudo isso. Não há enfermeiros nem médicos que aguentem! Também eles são humanos.

A Republica é, ou devia ser, para além da gestão da coisa pública, o governo dos interesses de todos independentemente da forma de governo. Aquilo a que hoje assistimos por toda a parte é a negação de tudo isso. As leis, incluindo a própria Constituição, foram ou são feitas de forma a serem adaptadas às mais variadas circunstâncias e tão complicadas que poucos, para além dos que as fizeram ou delas vivem, conseguem retirar delas os seus deveres e direitos de cidadãos. E esse desconhecimento nem sequer é motivo de absolvição.

O silêncio das principais figuras institucionais sobre o que se passa no sector da Educação é  aflitivo e desprestigiante. Tanto mais desprestigiante quando é sabido que a maioria dos que têm vindo a gerir a governação nestes anos de democracia pôde chegar tão alto porque beneficiou de um ensino estável e conscencioso. Os que rondam hoje os  setenta ou mesmo sessenta anos  não assistiram a professores em greve, sabiam que eram avaliados e como o eram, era raro os professores estarem de baixa, as escolas onde aprenderam tinham instalações modelares – havia escolas industriais melhor equipadas que algumas oficinas consideradas boas – os professores eram pessoas respeitadas pelos alunos porque os respeitavam.

Eram escravos, dirão. Talvez. Mas foram esses escravos do dever que, com salários que raramente chegavam para comprar automóveis ou fazer férias no estrangeiro, preparam a juventude que hoje, já envelhecida, parece ter esquecido o que lhe foi proporcionado e discute a Educação como se de um duelo político- partidário se trate. Gente para quem o futuro tem a dimensão de uma legislatura.

Portugal tem sido, indiscutivelmente, mal governado e o seu povo representado por figuras que nem sempre o  prestigiam no contexto internacional . Uns porque têm como principal preocupação representarem-se a eles mesmos na oportunidade que lhes foi dada, outros porque não sabem como fazê-lo porque desconhecem o impacto de uma presença a quem cabe representar um povo, outros porque não foram educados para  assumirem tão alto cargo. É nisso que os presidentes diferem dos reis. Os reis são educados para estarem, os presidentes são votados para serem. Parece não fazer grande diferença mas faz a diferença toda. Basta comparar.

 

Partidas… para chegar onde?

A saída de Santana Lopes do PSD não é de todo um drama para o partido nem para ele. Há quem lhe ache graça pela imagem que cunhou há já umas boas décadas mas daí a ser um político de referência  ou um tribuno capaz de arrastar multidões, como ele provavelmente se julga, vai uma enorme distância. As pessoas encontram nele um certo charme de ‘bon vivant’ que aprecia o jogo político e sabem que no seu circulo existe um considerável número de apoiantes com longos e numerosos tentáculos. Nada disso deve ser desperdiçado! Contudo, aproveitar isso para criar mais um (+1 ?!) partido político, que em pouco diferirá dos que temos tido a infelicidade de conhecer, parece de uma tremenda falta de gosto!

Em tempo de ‘uniões’ e ‘globalizações’ os partidos, tal com os encontramos nas várias partes do mundo,  são uma aberração que só o receio de fragilizar a democracia – conceito essencial para fazer cair por terra qualquer imperativo do bom senso – os mantém credíveis para lá de toda a crença que os votantes insistentemente neles depositam.

Esta ‘democracia’, que serve de guarda chuva aos mais incríveis dislates , ou é reformulada – o que não será difícil porque o conceito, tal como está acontecendo agora com o ‘populismo’ cujo conteúdo a maior parte da população ignora, apareceu ‘out of the blue’  para ‘acalmação’ da sociedade pós-revolução industrial – , ou há que descobrir se para além deste sistema, considerado por Churchill o melhor dos sistemas excluindo os outros todos, não será possível encontrar um outro sistema, se tal lhe podemos chamar, com atrativos semelhantes, mas com uma denominação diferente, que equacione desapaixonadamente e em paridade os desafios que se põem à sociedade, cultura, ou civilização, de que queremos continuar a ser pertença.

Em Portugal tivemos nos últimos cento e oito anos, após a bárbara abolição da Monarquia, uma sucessão de experiências que têm vindo a manter um grau de insatisfação superior ao existente aquando da queda da Monarquia. O povo – o tal em nome de quem tudo é feito – não viveu tempos felizes durante as bombardas revolucionárias que se seguiram à implantação da Republica, o Estado Novo manteve-se mais pela boa gestão da coisa pública do que pelo apoio popular e caiu de maduro a um leve abanão, a ‘revolução dos cravos’, a seu tempo transformada na ‘revolução dos cravas’, tem hoje um duvidoso nível de popularidade, mesmo esse alimentado à força pelos proponentes. Ou seja: destruiu-se um regime monárquico milenar para gozarmos da oportunidade de podermos, durante um século e algumas migalhas, tentar as várias alternativas ‘em mente’,  que era suposto tirarem o País do endividamento, das desigualdades, dar pleno acesso a serviços essenciais,  acabar com a tirania dos míticos ’tenreiros’ que exploravam o pescado, inviabilizar as ‘cunhas’ e os favorecimentos  políticos aos da União Nacional, libertar a imprensa dos noticiários  truncados ao jeito do Diário da Manhã, repelir os serviços secretos que espiavam os de dentro e os de fora, etc., etc., etc..

Se nos dermos ao trabalho de fazer uma avaliação sincrónica do estado da arte a conclusão a que chegamos é que ‘não era bem isto que queríamos’ e que talvez o regime monárquico, que não conhecemos, não fosse pior do que a república que conhecemos. A dúvida instala-se essencialmente pela relutância, ou receio, que os republicanos têm demonstrado em relação a um referendo que avalie de forma consciente e em paridade de divulgação o regime monárquico.

É por demais sabido que a generalidade da população desconhece totalmente as diferenças, vantagens ou desvantagens do regime monárquico, para além daquilo que geração após geração vem sendo ensinado nos compêndios de História pátria em que tudo parece desligado de qualquer continuidade . Já não há avós que discorram sobre os tempos da Monarquia com saber de experiência feito. Há gente que cresceu adaptando-se ao novo regime do mesmo modo que as jovens gerações de hoje se adaptam ao regime actual: desconhecendo outra realidade que não aquela em que lhes é dado viver e aceitando-a ou rejeitando-a conforme o que lhes é transmitido pelos mais próximos.

É óbvio que haverá algo de contraditório numa perspectiva de eleger um rei. Nada impede porém que se referende o regime e, consequentemente, o grau de aceitação que poderia ter. O resultado do referendo decerto não iria levar os monárquicos a tomar atitude semelhante à que os republicanos tomaram mesmo sem referendo. O resto deveria caber, tão pacificamente quanto possível, aos contitucionalistas, área sobre a qual sou totalmente ignorante.

Daí que, a querer marcar uma posição política, talvez Santana Lopes fosse bem mais útil à Nação oferecendo-lhe uma alternativa estrutural do que um remendo conjuntural. Santana é um homem de desafios que decerto saberia como viabilizar a proposta que, creio, a própria UE veria com bons olhos. Porque a verdade é que, ao que parece pelo que se colhe da imprensa internacional e de um ou outro furo nos noticiários domésticos, tempos duros se aproximam. Tempos que exigirão rigor e sacrifícios, não os da ‘austeridade’ à troika ou aqueles que caem só e sempre como uma condenação nos mesmos, mas os que é licito pedir a um Povo que ama o seu País, a sua História, o seu território, a sua Língua e, acima de tudo, se ama a si próprio.

Portugal está a caminho de ser um país sem povo e os políticos parecem não se dar conta disso. Mas sabem-no! Como também sabem que enquanto os bancos fornecerem crédito sobre dinheiro que não têm de facto,  enquanto o incauto pelintra puder passear-se em automóveis topo de gama, fazer férias no estrangeiro a preço módico, o futebol for enchendo os estádios, os ecrãs e os angustiados espíritos, os políticos forem transformando a dignidade do Estado num espectáculo circense, a Justiça for prolongando as narrativas  para gáudio de uns e incómodo de outros, as condecorações, prémios e auto-elogios surgirem como razões de orgulho da raça independentemente dos factos e objectos eleitos, a coisa vai-se aguentando.

Mas até quando? Pergunta a Europa e perguntamos alguns de nós…

Mais um partido NÃO!

O RUÍDO

Vi com uma imensa revolta e uma enorme tristeza o documentário sobre o recorrente tema da pedofilia em instituições católicas. Porém, maior do que a revolta e a tristeza foi a repugnância que senti pelos que fazem de tais documentários um negócio carregado de ódio. São sempre os mesmos, os grandes produtores da indústria cinematográfica que, tendo o desinteresse começado já a instalar-se pelas indiscrições escandalosas sobre  temas da intimidade material dos homens, visam atingir a paz espiritual de que o mundo necessita para ser um lugar por onde estejamos gratos nos ser dado passar.

Ninguém poderá aprovar minimamente o que é relatado naquele documentário  e no modo em que intencionalmente o é. Certo também que não há como tornar suaves as palavras e as imagens de factos que de suaves não têm nada. Duvidoso se é essencial que a população mundial católica e não-católica deles tenha conhecimento. Para os católicos trata-se de uma questão do pelouro da Igreja e seus seguidores, para os outros um negócio carregado de oportunidades de revanche.

É óbvio que lamento as vítimas. Mas também não deixo de lamentar os sacerdotes que por razões várias se puseram ao serviço de uma instituição que o mais que tem tido para lhes oferecer é o tal “silêncio” que encabeçava o título, ainda que em todos esteja, sem sombra de dúvida, a Fé em Cristo e na sua doutrina.

Porém, para além da incontestável certeza em Cristo, na sua divindade e na sua doutrina, factores sociais de vária ordem, como sempre acontece, impenderam sempre na radicalização da entrega. Os mais modestos porque encontravam nessa opção o único modo de estudarem e aprofundarem os seus conhecimentos , os de estratos sociais mais elevados porque se tratava de um compromisso com o poder da Igreja, a que se sentiam vinculados face aos poderes laicos do Direito e do Exército. Pelo meio muitos terão sido os que foram chamados, não por Deus mas pela instituição, a servir a Igreja fielmente de várias maneiras, sabendo de antemão as muitas vantagens pessoais e familiares que o estatuto lhes  proporcionaria .

Todas as religiões visam a perfeição de cada um dos seus membros e o reflexo dessa mesma perfeição na imagem que apresentam ao mundo, muito embora o conceito de ‘homem perfeito’ não seja o mesmo em todas as religiões. Encontramos nas outras factos que nos escandalizam e o mesmo acontecerá com eles em relação à nossa. Nada temos, ou deveríamos ter, com o que se passa em outras civilizações e culturas para além da admiração que nos possam suscitar. Outra coisa, e isso é cobardia, é miná-las e engendrar estratégias para as destruir. Pior ainda quando o auxilio para essa destruição vem de dentro.

É óbvio que o procedimento dos sacerdotes citados é altamente reprovável. Mas é igualmente estranho a demora que decorreu entre os factos e a sua revelação. As crianças surdas citadas no documentário eram surdas-mudas. Contudo, frequentavam uma instituição onde aprenderam a ler e a escrever. Porquê tantas décadas de segredo? Porque o medo é superior à relutância ao facto? Porque nisso existia a contradição entre o que lhes era ensinado como pecado e o prazer que, apesar de tudo, poderiam sentir? Porque só muitas décadas depois, decorrida a vida, encontraram em quem confiar e, acima de tudo, quem os ouvisse e estivesse disposto a tornar públicos os factos para que eles se não repetissem e causassem danos em outras crianças? Quantas não terão, entretanto, sido vítimas desses silêncios? Que relação teriam essas crianças com pais e familiares para que lhes fosse negada a coragem de, com verdade, relatarem o que faziam com eles? Por vergonha? Sendo eles vítimas,e já adolescentes, a vergonha seria atribuída ao padre e não a eles .  Tudo isto dá muito que pensar e, tristemente, assemelha-se ao caso das divas de Hollywood que só sentiram o ultraje em idade avançada.

As crianças foram, devem ser e serão sempre objecto de muitas atenções e cuidados. Os contos infantis mostram desde sempre essa preocupação de pôr de sobreaviso os inocentes face à eventual maldade dos adultos. O ‘lobo’ espreita, a ‘bruxa’ maldosa oferece uma convidativa maçã, o ‘feiticeiro’ mentiroso seduz com o que não faz tenção de cumprir. O mundo é o que é em cada um dos seus momentos e as crianças são seres indefesos e, apesar de perderem cada vez mais cedo a inocência são,  curiosamente, cada vez mais indefesos porque as solicitações são cada vez mais e mais dissimuladas. Sabemos o que se passa e é noticiado dentro dos núcleos familiares e em alguns estabelecimentos públicos. Casos gritantes que a sociedade civil deixa necessariamente cair no esquecimento porque os Estados e os governos têm como e quem remeta esses temas para o esquecimento e outros mais interessantes para desviar deles a atenção.

E qual o papel da Igreja/Vaticano em todo este rolar de acontecimentos que SÓ e UNICAMENTE a ela dizem respeito? Arquivar e esperar, como lhe compete, a regeneração e o perdão. Nada mais. Ambos, pecadores e vítimas são os ‘seus’ e o seu dever é defendê-los. A Igreja não é um tribunal ainda que o Estado do Vaticano o possa ser. Acontece que é a Igreja que justifica a existência do Estado do Vaticano e não o contrário. Se os estados não confiam no Estado do Vaticano deverão confiar-lhe as suas crianças?!

Espera-se dos sacerdotes o impossível. Espera-se que sejam seres perfeitos arredados de todo e qualquer impulso da natureza. Mas os sacerdotes são apenas homens a quem cabe a função de indicar o Caminho, a Verdade e a Vida, tal como Jesus os proclamou. Não são deuses de pedra como os do Olimpo aos quais, ainda assim, eram consentidas várias extravagâncias. O sacerdote é um ser humano igual aos outros mas que deseja aperfeiçoar-se e aperfeiçoar o seu semelhante. E é nisso, e não na política e na divisão dos bens materiais que, mal ou bem, competem ao Estado, que a Igreja deveria concentrar-se. O pároco administra a sua vida, a sua paróquia e os seus paroquianos conforme o seu carácter e personalidade. Contudo, na celebração da Santa Missa, ao invocar a concessão do divino para consagrar o Pão e o Vinho, ele é muito mais do que isso. É o mensageiro de Deus que esperamos nos conduza a uma inquebrantável relação com Deus. É disso que nós, cristãos, necessitamos. O resto cabe aos políticos.

A vida de um sacerdote é sempre – ainda mais quando ele se sabe um ‘mau’ sacerdote – um sacrifício. Quantos de nós já pensámos no horror que deve ser para um jovem sacerdote – antes que ele se considere imune a tudo o que ouve…- ouvir durante a Semana Santa, e não só, seus semelhantes relatarem o que de pior, mais sujo e prejudicial à humanidade um ser é capaz de cometer e ser-lhe vedado o desabafo e, ainda pior, contribuir para a correção de uma injustiça ou para a punição de um crime? Até que ponto nos sentiríamos cúmplices? Ora, que espera a Igreja com isso? Será que espera que essas mentes consigam viver como sentindo-se cúmplices num mundo que é em tudo a negação daquilo que em teoria lhes foi transmitido desde a família ao seminário? Como descarregar a tensão que ensombra a alma para que seja possível prosseguir? De todos os ‘lenitivos’, o sexo será decerto o menos prejudicial SE a instituição não rejeitar duramente a condição humana do sacerdote. E devia tê-lo feito há muito, talvez desde sempre, pondo de lado a atractiva e falsa ideia de que um sacerdote é acima de tudo um santo, um ser divinizado em nada semelhante aos seus semelhantes.

Gente ignorante como eu pergunta-se o que sabe a Igreja sobre o modo de vida dos Apóstolos. Pelo que sabemos – ou não sabemos…- NADA! Mas humanos eram de certeza, tal como humano era Jesus que o demonstrou na sua vida e no seu sofrimento. A transcendência que o elevou é uma promessa, um alvo e não um revestimento que passeemos pelo mundo.

Nós, os cristãos ainda afectos à Igreja de Roma, não esperamos, não desejamos, não queremos ver os nossos sacerdotes enxovalhados por gente que nem sequer tem nada que ver com ela. Somos todos um só Mundo e uma só Humanidade, é certo. Mas dentro deles foram feitas opções em que nos fidelizamos  e nos comprometemos. O tratado de Latrão – o possível, dado o momento histórico – celebrado entre Mussolini e seus colaboradores, alguns decerto emigrados para as sul-Américas após a derrota do fascismo, trouxe da Igreja uma visão mais laica. Temos para além do governante do nosso Estado, seja ele monárquico ou republicano, o governante do Estado onde estão depositados séculos da nossa Fé, com todas as vicissitudes, misérias e grandezas que o acometeram. Aqueles tesouros que lá estão pertencem-nos e queremos vê-los nas celebrações em que glorificamos a Santíssima Trindade, aqueles homens que se lhe entregaram são dos nossos e queremos vê-los sob o olhar de Cristo.

Bento XVI tomou a atitude correta. Não foi deixado ir para a sua Bavária natal e tornou-se um ícone da generosidade do actual papa. Os arquivos que guardou durante décadas sobre os quais, provavelmente, jamais lhe terá sido permitido dar uma orientação, estão agora nas mãos de um sacerdote português cuja fidelidade às orientações papais lhe permitiu uma ascensão  tão meteórica como talvez não tenha havido outra. Vai ser de certeza merecedor dessa confiança. O papa Francisco – não sabemos, nem importa, qual o apelido do seu patrono – fez as suas escolhas de acordo com a sua personalidade e a sua vivência de imigrante que foi na América do Sul. A muito nobre ideia dele é acabar com a pobreza e reduzir as desigualdades sociais através da sua descida ao terreno onde se encontram os homens que os poderes do mundo governam sem sequer terem em conta as homilias e discursos que lhe ouvem e aplaudem

“Pobres sempre os teremos entre nós”. Suceder-se-ão no mais baixo degrau da escala social mas nem por isso a ascensão deixa de se dar. E quando atingem os degraus do poder, como humanos, farão tudo aquilo que sempre desejaram para eles e detestaram nos outros. O mesmo acontecerá na Igreja.

Por mim, o que espero da Igreja é que ela ponha os olhos nos sacerdotes e não exija deles o impossível porque sempre os obrigará a mentir. Deixar o sacerdócio, por mais que isso lhes custe, podem; ignorar a sua humanidade, procurando embora o melhor modo de lidar com ela, não podem. Por-lhes atritos no caminho para lhes dificultar a tarefa, na esperança mil vezes comprovada vã de que isso promove a Igreja parece-me um tremendíssimo erro.

Conheci, na minha já longa vida, várias gerações de padres- Nunca me interroguei sobre a vida privada de qualquer deles. Respeitava-os como padres e eles sempre me respeitaram como ser humano e me ajudaram a crescer na Fé. Ouvia-se, raramente e ‘en passant’ que o padre X tinha filhos de uma relação, que o padreY era homossexual, que o padre Z era um ‘charmeur’ mas nada disso interferia com a nossa relação espiritual com eles que queríamos enriquecedora. Havia as que se apaixonavam por padres, frequentemente sem êxito. Essas, sabia-se, faziam-lhes a vida negra!

Quanto aos ‘ritos de mudança’, também falados no documentário, sabemos serem um momento de enorme relevância na vida de um adolescente. É a altura em que ele se torna potencial colaborador na Criação. Há indícios claros que o próprio, por mais ingénuo, não pode ignorar e não há como quem esteja à volta o ignore, ainda que isso seja cómodo. Os modos de lidar com isso, por parte dos adultos, têm sido vários. No campo tudo é fácil porque a vida está sempre presente. No meio social urbano essa mudança passa-se em meio familiar e tem sofrido sucessivas ‘condescendências’ que me abstenho de enumerar. Umas domésticas – que nem sempre corriam bem para a vítima e eram de imediato descartadas…-, outras com recurso a um familiar mais velho que se encarregava de levar o jovem ao local indicado, e umas tias que subsidiavam com um ‘dinheirito de bolso’. As raparigas eram desde muito cedo educadas no “pudor”, o que hoje, quando o corpo é considerado um capital a não subestimar, parece extremamente ridículo. Mas não é! A mulher ganha sempre mais pelo que esconde do que pelo que mostra. Além de que a pulsão sexual, a menos que incentivada como acontece actualmente, é muito mais forte no homem do que na mulher. O que não impedia que houvessem casos de lesbianismo, como já acontecia na Antiga Grécia e muito provavelmente antes. Mas nada disso era falado porque era não preciso. O mundo vivia bem sem que tal lhe fosse comunicado.

Assim, o que era naturalmente resolvido e seguia o seu curso em casos tratados de per si, seria decerto bem mais complicado quando se tratava de uma sociedade de adolescentes entregues a um homem que fora jovem como eles mas nunca fora preparado para enfrentar situações de tal monta. Entregues à Igreja, porque o Estado não tinha recursos ou não os utilizava para enfrentar a situação do ponto de vista social, médico, psicológico; delegados num homem como se de um autómato se tratasse.

 Lastimem-se as vítimas mas não se censurem os sacerdotes mas a Igreja que assumiu como instituição a santidade de cada um dos seus pastores sem nunca se preocupar em ver neles o homem que caminha para Deus levando consigo a sua natureza.

Recuso uma Igreja politizada ainda que admitindo a actividade política de cada sacerdote. Mas não a do Papa como representante de uma instituição onde se integram todas as facções.  A Igreja esteve sempre próxima do poder mundano mas o seu papel era espiritual e não de assessoria executiva declarada. É isso que gente como eu espera de um Papa. Porque católicas são hoje quase todas as igrejas….

Como curiosidade sobre as concessões de Mussolini ao Vaticano é bom lembrar o recebimento de uma indeminização financeira pelas perdas territoriais durante o movimento de unificação da Itália. O Tratado de Latrão estabeleceu normas para as relações entre a Santa Sé e o Reino de Itália, reconheceu o catolicismo como religião oficial desse país, instituiu o ensino confessional obrigatório nas escolas italianas, conferiu efeitos civis ao casamento religioso, aboliu o divórcio, proibiu a admissão em cargos públicos dos sacerdotes que abandonassem a batina e concedeu numerosas vantagens ao clero.

 

A Sabedoria que nos falta

É lugar comum atribuir aos cinquenta anos de fascismo – que nunca tivemos –  a proverbial ignorância dos portugueses. Contudo salvo raríssimas excepções, passados quase outros cinquenta  anos, os portugueses, independentemente da classe social de partida ou de chegada, continuam cultivando uma pomposa ingenuidade com que as acima mencionadas excepções contam quando se trata de difundir uma qualquer ideia adquirida dentro do contexto civilizacional que os pertence e, desde logo, de onde beberam a lógica subjacente ao raciocínio que a mantém viva e que formata as mentalidades ao sabor dos sinais dos tempos, estes também legíveis e apreendidos dentro da mesma lógica soberana que vem sendo transmitida com sucesso às proposições da Ciência e ao desempenho tecnológico.

A ‘revolução’ – exagero conceptual que baptizou um golpe militar de indefinidos contornos políticos – não alterou nada no modo de ser português. Na verdade muito poucos se terão dado ao trabalho de saber o significado das palavras usadas como armas num contexto assaz pacífico para a grandiosidade do facto, ainda que, embora comedidamente, tenham tido lugar uma série de inusitados acontecimentos  destinados a afirmar uma mudança apregoada como desejada dentro de uma lógica revolucionária, onde todas as decisões de alguns amadurecidos teóricos surgiam como inquestionáveis.

Poucos saberiam ao certo o que significava a palavra ‘ democracia’ e mesmo esses tinham dela mais a ideia de uma oferta irrecusável oferecida a um povo inculto e resignado que a recebeu como um bodo em que uma nova governação punha à disposição, sem critério, de muitos o que era pertença de uns poucos que detinham sobre eles o fatal  poder dos que têm sobre os que precisam.

Ninguém teve o cuidado de nos explicar que a essência da Democracia – esquecido já o conteúdo da sabedoria grega nela contido e subsequente aplicação – é a equidistância de todos os perante a Justiça, e ainda menos que na nobre ideia que a inspirara, nascida como ideal  para a governação da Polis grega, a democracia, como participação no governo da cidade, tinha uma aplicação de âmbito extremamente restrito que excluía os estrangeiros – considerados ‘bárbaros’ por não estarem inseridos na cultura grega – os que pelas funções exercidas não ascendiam à categoria de cidadão participante, as mulheres. Ou seja, tudo o que em um estado actual denominado de democrático é reclamado em nome da Democracia, vista esta como o poder indiscriminado do Povo, o prefixo Demo.

Aos Romanos, mais Espartanos do que Atenienses, e ao seu dominador e grandioso Império se deve o Direito, a Lex Romana, que nada tinha, tem, e é de duvidar que alguma vez venha a ter, qualquer identidade com o conceito de Justiça, conceito este propagado pelo Cristianismo e inspirado na certeza cristã de que todos os homens são equidistantes perante a justiça divina. 

A Democracia, termo recorrente em todos os discursos políticos, usado por ‘democratas’ e seus opositores em parlamentos e areópagos internacionais sempre que o recurso ao termo se impõe como conquista inquestionável a defender, é hoje um termo abastardado e destituído de conteúdo. Nada, ou infinitamente pouco do que é prometido em seu nome é cumprido, o que a transforma em um continuo e crescente processo revolucionário, reclamando respostas a promessas feitas ou a direitos considerados intocáveis, independentemente das circunstâncias vividas em contextos diversos, sejam eles restritos ou alargados, como acontece no panorama actual.

Também dos Romanos herdaram os políticos a estratégia que consiste em dar ao povo  algo que o distraia das suas resignadas vidas e das suas potenciais ambições. Ao ‘ pão’ e ‘circo’ da Antiguidade romana a civilização ocidental, e suas sempre recriadas estratificações, as democracias oferecem, para sua quietude, vários ‘ópios’ que se lhes entranham como prioridades temporãs que os furtam à cansativa, ainda que nobre, actividade de pensar.

Portugal tem no futebol um poderoso amigo dos governos e do outro poder que partilham e que dá pelo nome de comunicação social. Por detrás de tudo isto está o dinheiro, sustentáculo do poder, manipulador de critérios, nutriente de todas as ambições, mesmo daquelas que não dependem dele.

Assim é que, numa altura em que UE treme em difícil e instável equilíbrio, em que a diplomacia institucional do País anda suspirando por eventuais mercados e investidores, em que o governo confessa assumidamente não ter meios para responder adequadamente às catástrofes que atingem o território, em que o povo, ainda que justamente, reclama o cumprimento de promessas feitas no calor eleitoral, em que os trabalhadores são resignadamente privados dos seus direitos por outros trabalhadores – as greves, embora democráticas, raramente atingem os escolhidos alvos -, em que a comunicação social, parca de temas que mereçam a designação de notícias, empanturra as mentes com os dislates de qualquer homenzinho ridículo que se ponha em bicos de pés apoiado em não-partilháveis segredos, em que distinções históricas são conferidas  a eito, sem outro critério que não seja publicitar um país que parece determinado a apenas  produzir  ‘alojamentos locais’ e serviços a hóspedes e visitantes, em que outras culturas tomam de assalto países, destroem subtilmente fronteiras e alimentam diferendos, em que a paridade das moedas parecendo amiga nos é inimiga, em que uma série de factos que são nossos, do nosso tempo, e que sem a nossa atenção se arrastarão desastrosamente pelas gerações futuras, tornadas nómadas por necessidade e apátridas por falta de elos históricos e linguísticos, os portugueses incham de orgulho com as palavras, actos e omissões com que os governantes  e figuras representativas se empenham em lhes alimentar, sem proveito, o amor próprio.

Pelo meio pululam umas tantas instituições, fundações e organizações nacionais e internacionais, cada uma ora defendendo os seus interesses, ora unido-se em posições de poder. Quando, na verdade, o poder parece tão capciosamente diluído que é impossível situa-lo. E, suspeitando dele como uma força, a verdade é que o sentimos cada vez mais periclitante e efémero.

Nos States, o caluniado Trump segue serenamente o seu caminho falando directamente ao mundo e, com isso, constituindo a comunicação social como seu figadal inimigo.  Dificilmente se pode considerar ‘estúpido’ um homem que cursou West Point, passou por uma das melhores universidades americanas, correu o mundo, estafou uma enorme fortuna e foi capaz de a refazer, tem interesses económicos em vinte e oito países. Não creio que Trump possa ser um belicista. Se o fosse seria de facto estúpido porque teria muito a perder. A Economia que propõe não é investida no armamento, como aconteceu na aparentemente saudosa ‘guerra fria’, mas no reforço de grandes economias domésticas que criem riqueza em vez de destruição e que negoceiem segundo os interesses dos envolvidos, libertos de confusas leis ditadas por inconciliáveis conjugações de interesses, A ideia peregrina, inspirada pelos judeus, de que a Rússia terá que ser o eterno inimigo e que o principal objectivo patriótico é desafiá-la, parece não fazer escola na política Trump, que reconhece o potencial bélico da Rússia, tal como reconhece o poder económico da China, da India e de outros países que sabe de importância para o bom desempenho da economia americana. Acresce que Trump aparentemente  é sionista e gostaria de ver os judeus terem Israel como pátria e por lá se instalarem.

Trump parece ter trazido tudo pensado. A baixa cotação do dollar vai permitir que, a retaliação pelas subida das taxas do alumínio e do aço levada a cabo pelos países atingidos se faça sentir menos no acréscimo das tarifas alfandegárias de produtos americanos em outros países com moedas mais  fortes. Chegam mais baratos devido à baixa cotação do dollar. Acontece ainda que enquanto que muitos produtos poderão continuar provavelmente a ser vendidos on line, o alumínio e o aço não poderão beneficiar desse sistema.

Apesar de não ser de ‘esquerda’  ou de ‘direita’- se é que tais denominações ainda se justificam perante as contradições teóricas que patenteiam – fui sempre euro-céptica. As tentativas de união anteriormente vividas, embora impostas por outro tipo de força, acabaram em penosos insucessos. A Europa, continente ou península da Eurasia, é uma civilização de pátrias, ciosa das suas línguas e das suas fronteiras. Em defesa desses valores combateram, perderam vidas, viram cidades destruídas, fizeram História. Nada me faz acreditar que uma Europa federada possa ter sucesso, especialmente quando a riqueza que alimentou a corrupção e destruiu as economias mais frágeis, talvez irremediavelmente, começar a restringir os apoios. O Sul, com a sua mentalidade soalheira e sonhadora, dificilmente tomará como irremediável um compromisso que não lhe traz vantagens mas complicações. E Merkel, instigada pela forte e obreira Alemanha, pode bem virar as costas à Europa e contemplar os mercados que se estendem desde Leste.