Lembrando Bento XVI

Apesar da grande admiração e estima que o mundo em que me incluo nutre muito justamente pelo franciscanismo do actual papa , tenho sempre presente a figura de Bento XVI, o seu notável percurso, a lealdade com que desempenhou cargo que lhe tenha sido incumbido, mesmo quando a sua brilhante inteligência e a sua personalidade não se identificavam com ele, como é patente para quem tenha lido parte da sua vastíssima obra.
Bento XVI nunca deixou que a sua visão pessoal interferisse com função institucional que lhe fosse atribuída e, creio, não o teria feito ainda que essa função fosse em detrimento da imagem que emergia do textos que reflectiam o seu pensamento e a sua imensa Fé.
Como Papa foi defensor da Verdade até ao limite das suas possibilidades. Por fim, com a lealdade que, perante si próprio e a instituição que servia, sempre o caracterizou, saiu tão discretamente quanto possível com a dignidade de um ser que, sendo superior, conhece os limites da sua contemporização, e fe-lo sem temores, sem implorar que rezássemos por ele, sabendo que seriam muitos os que, mesmo sem o seu pedido, o incluiriam nas suas orações.
Vem isto a propósito de um caso que se deu com uma amiga minha que um dia, ao chegar a casa, encontrou junto à porta um grande envelope de correio que pelo correio não tinha passado. Dentro estavam, compiladas, cerca de uma centena de folhas escritas à máquina e no canto superior direito um cartão. “Aqui te deixo que resta de quando era vivo. Morri para uma outra existência que me foi imposta, um outro nível em que, dentro da morte, se continua a existir e a criar vida como se de uma danação se trate. Quando acabares de ler , se te quiseres dar a tal tarefa, deixa isto no último banco de …….no dia…. às….horas. Não deixes de o fazer. Alguém o irá buscar.” Ela assim fez.
O que aquele homem tinha vivido, num contacto pleno com uma sociedade que se vangloriava no seu pior, atingira-o profundamente mas criara nele a esperança de, em prol das gerações futuras , os conseguir encaminhar pela palavra. Puxava-os a si pactuando com tudo o que reprovava, com a certeza de ser essa a única maneira de ser ouvido e, empenhando-se, chegar a uma juventude que desejava diferente daquele atropelo de inconsciência em que lhe fora dado existir. Contudo, a convivência com a promiscuidade e com a ganância, se por um lado propiciara os meios de que necessitava para se fazer ouvir, acabara minando-o por dentro.
X deixou o livro no local como lhe fora pedido e enterrou na saudade aquele amigo que estava morto porque, ao invés do que Jesus fizera com Lázaro trazendo-o de novo à verdadeira vida, uma sociedade falsa , gananciosa e promiscua se empenhara em o enterrar nas profundezas de uma existência que para ele inventara sem que as suas (deles) posições fossem postas em perigo.
Uma sociedade, grupo, comunidade, movimento que não respeita os seus e os encobre sob o martírio não se respeita a si própria. Não procurar dar aos seus oportunidades consonantes com aquilo que apregoa como bem não se dignifica a si própria e dificilmente pode ser levada a sério por maiores que sejam os interesses que satisfaça.
Dar a um bêbado um garrafão da aguardente mais ordinária por saber que com isso o manterá calado e diminuindo mascando simultaneamente o melhor da suas capacidades até ao limite dos interesses da tribo – para depois o deixar enterrar-se na solidão do nojo, onde nem sequer o vómito lhe é permitido porque a alma, a que nunca morre, exige que sejam salvaguardados compromissos vitais a que a estratégia o amarrou – é pecado que atravessa as fronteiras da Terra, macula alma dos estratégias, deixando-os agarrados à terra ode, podemos viver sem qualquer vinculo autêntico de transcendência e dos valores que em nome dela nos alcandoraram à dignidade máxima do homem, que consiste em viver em Verdade, no Caminho do Homem que conduz à única e autêntica vida.
Ou continuaremos na “Yellow brick road where the dogs of society bite”.